Nos últimos meses, um grupo de cidadãos colombenses criou um movimento chamado Colombo Pela Vida. Segundo o manifesto do grupo, o objetivo da movimentação é a “promoção de ações inteligentes para o enfrentamento da Covid-19” e a adoção de um “tratamento imediato”, ou tratamento precoce, como se convencionou chamar. “O movimento Colombo Pela Vida não é uma ONG, não é partido político, não tem CNPJ, não tem nenhum vínculo específico com qualquer entidade. São cidadãos de bem de diversos setores. Nosso único desejo é que no município nós tenhamos um tratamento imediato à Covid e levar informação para as pessoas para que, por meio de ações inteligentes, nós possamos minorar o mal da Covid”, explicou Adriano Gama, um dos coordenadores do grupo, em entrevista realizada na sede do Jornal de Colombo, no dia 11 de maio.
Mas, afinal, o que seria este tratamento imediato? “O tratamento imediato seria o acolhimento imediato ao enfermo; [e a possibilidade de uso de] um conjunto de fármacos reposicionados que os profissionais da área de Saúde têm à disposição para utilizarem de modo que a Covid não avance nessas pessoas que queiram esse tal tratamento”, disse Adriano. Entre os medicamentos defendidos pelo movimento estão a hidroxicloroquina, a ivermectina e a azitromicina, remédios que, segundo os principais órgãos de saúde, não possuem eficácia comprovada. “Basicamente, você tem esses medicamentos, que apelidaram de Kit Covid. Não é um Kit Covid. São fármacos reposicionados que estão sendo experimentados há mais de um ano em específico na Covid e que se tornam eficazes demais. Hoje, existe um movimento de mais de mil médicos que utilizam e gestores públicos que adotam como política de tratamento em suas cidades”, argumenta, citando como exemplos os municípios de Fazenda Rio Grande, Ponta Grossa, Londrina, Guaratuba, Itajaí-SC, Chapecó-SC, Santa Maria-RS e Porto Seguro-BA.
Para justificar a defesa aos fármacos, Adriano afirma que o grupo segue a voz de especialistas que defendem o uso destes medicamentos como forma de prevenção e tratamento. “Nós somos papagaios de especialistas que nos dizem que a medicina é a ciência das verdades transitórias. Não há unanimidade. Não há como você achar que para determinada situação, especialmente a Covid, que está em processo de descoberta, haja um órgão que diga ‘é assim e acabou’. O que temos hoje são vozes diversas. Há entidades no mundo e no Brasil que dizem sim, que há um tratamento imediato com fármacos reposicionados que são eficazes para a Covid. E onde está a eficácia? Estão nas provas. Nós temos sido assistidos por especialistas que desenvolveram documentos que são base fundamental para dizer que esse tratamento é válido e eficaz”, disse.
Para dar corpo ao que é proposto pelo grupo, Adriano enviou à reportagem uma proposta de protocolo de tratamento precoce, assinada em agosto de 2020 por um colegiado de médicos e uma Nota Técnica de fevereiro deste ano emitida pelo Ministério Público Federal de Goiás. Estes são exemplos de documentos que embasam o posicionamento do grupo Colombo Pela Vida.
Projeto de Lei
No momento, em Colombo, há um projeto de Lei (PL 948/2021), de autoria conjunta dos vereadores Renato da Farmácia e Sidinei Campos (ambos do DEM), que tem como objetivo fazer com que o município, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, disponibilize gratuitamente medicamentos que venham a ser fornecidos pelo Ministério da Saúde, para o tratamento imediato da Covid-19 na rede SUS do Município de Colombo. Embora o projeto tenha o intuito de favorecer o chamado tratamento imediato, ele não especifica qualquer tipo de medicamento.
O Projeto de Lei é apoiado pelo movimento Colombo Pela Vida. “Participamos no estímulo. Este tipo de projeto já foi aprovado, por exemplo, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul”, disse Adriano.
Posição da Secretaria Municipal de Saúde
Entre os membros do Conselho Municipal de Saúde está Nilton Mello, mais conhecido como Nilton do Rim, que também faz parte do movimento Colombo Pela Vida. Por meio do Conselho, foi emitido um questionamento à Secretaria Municipal de Saúde. Em resposta, a SMS publicou um ofício assinado pelo diretor adjunto do Departamento de Atenção à Saúde, José Sebastião da Silva Neto, se posicionando de forma contrária à adoção do chamado tratamento precoce, mais especificamente, a adoção da hidroxicloroquina e cloroquina. “(…) apesar de inicialmente terem sido vistos com grande entusiasmo (…) os antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina não mostraram benefícios na maior parte dos estudos em que foram avaliados”, diz a nota. “Considerando que, aos olhos da ciência, o tratamento precoce não se mostrou eficaz em relação ao Covid-19, nosso posicionamento é contrário ao seu uso como rotina. Respeitamos, no entanto, a decisão individual quanto à prerrogativa médica de receituário”, completa.
Na última sexta-feira, 21, a reportagem do Jornal de Colombo foi recebida na Secretaria Municipal de Saúde pela secretária da pasta, Marilda Zanoni França e pelo médico e gestor de Núcleo auxiliar da SMS, Wagner Sabino, para tratar sobre o tema. Ambos defenderam a posição de que não há comprovação da eficácia de medicamentos como a hidroxicloroquina ou a ivermectina para prevenção ou tratamento da Covid-19.
O médico Wagner Sabino destacou as implicações legais do uso da hidroxicloroquina ou de outros medicamentos que não tenham comprovação no combate à doença. “Aquele que utilizar esses medicamentos pode, inclusive, vir a responder, como já está acontecendo na CPI da Covid-19”, comentou Sabino, em referência à Comissão Parlamentar de Inquérito instituída pelo Senado Federal, para apuração da atuação do Governo Federal e do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia da Covid-19. “Não podemos fazer experiências em humanos”, acrescentou. O profissional também destacou a posição dos fabricantes dos medicamentos citados como eficazes. “Os próprios laboratórios afirmam que não há comprovação da eficácia destes medicamentos, seja para a prevenção ou tratamento contra a Covid-19”.
Segundo a Secretaria, o município de Colombo segue as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Estado da Saúde (SESA), e o acolhimento dos colombenses nas unidades do município é feito a partir da análise clínica dos pacientes, e que o uso de medicamentos são feitos de acordo com os sintomas apresentados.
Em relação ao projeto de Lei que tramita na Câmara atualmente, caso aprovado, a prática não seria alterada. A decisão de uso de um remédio ou não seguiria nas mãos dos profissionais de Saúde do município, de acordo com a Secretaria de Saúde.
O que dizem outros órgãos?
Nossa reportagem consultou os posicionamentos de entidades de Saúde em relação ao uso do que se convencionou chamar de tratamento precoce ou kit-Covid: a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Ministério da Saúde.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, em um documento com orientações voltadas a profissionais de Saúde, emitido em janeiro deste ano, há recomendações sólidas para o não uso dos medicamentos hidroxicloroquina, lopinavir e ritonavir a pacientes infectados pela Covid-19, independente da gravidade da enfermidade. Em abril, a OMS reforçou a recomendação do não uso da ivermectina como tratamento da Covid-19.
A OMS também afirma em seus canais oficiais que micronutrientes, como as vitaminas D, C e o Zinco, são fundamentais para o bom funcionamento do sistema imunológico e desempenham papel importante na saúde humana, mas que não há indicação do uso destas substâncias como tratamento da Covid-19.
O órgão recomenda atualmente o uso de corticosteróides, como a dexametasona, mas para pacientes hospitalizados com sintomas graves da Covid-19.
Neste mês de maio, o Conselho Federal de Medicina (CFM) definiu o uso da hidroxicloroquina ou da cloroquina por inalação como experimental. Ou seja, tratamentos médicos baseados nessa abordagem podem ser realizados somente por meio de protocolos de pesquisa aprovados pelo sistema de Comitês de Ética em Pesquisa e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/Conep). O mesmo órgão também já havia emitido recomendações do não uso destes medicamentos para o tratamento da Covid, ao definir exceções dentro do limite ético. “Após analisar extensa literatura científica, a autarquia reforçou seu entendimento de que não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença”, dizia publicação do órgão.
Em março deste ano, a Associação Médica Brasileira (AMB), informou em comunicado posição contrária ao uso de determinados medicamentos no combate à pandemia. “Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da COVID-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, diz a nota.
O Protocolo de Manejo Clínico para o Novo Coronavírus do Ministério da Saúde não cita a hidroxicloroquina, a cloroquina, a ivermectina ou a azitromicina. Atualmente, o Ministério de Saúde formou um grupo técnico para definir um protocolo de atendimento hospitalar mais atualizado. Em um parecer técnico divulgado nesta semana, há um posicionamento contrário ao uso dos medicamentos do chamado Kit-Covid. “Alguns medicamentos foram testados e não mostraram benefícios clínicos na população de pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados, sendo eles: hidroxicloroquina ou cloroquina, azitromicina, lopinavir/ritonavir, colchicina e plasma convalescente. A ivermectina e a associação de casirivimabe + imdevimab não possuem evidência que justifiquem seu uso em pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados nessa população“, diz o documento.
Comparativo
Preparamos a seguir um comparativo entre as cidades de Colombo e os municípios indicados pelo grupo Colombo Pela Vida como casos bem sucedidos do uso do tratamento precoce. Os dados desta tabela foram retirados dos órgãos oficiais de Saúde dos respectivos municípios e estados no dia 25 de maio de 2021. Os dados de números de habitantes é estimado e foram retirados do site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
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